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Imagem



 Foi como se o meu eu espelhado fosse outro.
 De algum modo era, porque aquela não era eu.
 É clichê dizer que a imagem se mexia sem que eu fizesse qualquer movimento.
 É também clichê dizer que quando eu fui, ela ficou.
 Ficou e se apossou da vida que deveria ser minha.
 Como gêmea, mesma cara. Mesmo corpo. Mesmo andar.
 Mas ao contrário de gêmeos - que têm vidas independentes - ela dependia da minha imagem.

 Minha imagem, com outra vida.
 Cansou-se de mim.
 De estar limitada a mim.
 Preferiu tingir os cabelos de vermelho.
 Me atingia, e eu não me refletia.
 Unhas sempre bem feitas e pretas.

 Não se importava com mais nada, e eu já não aparecia para mim.
 Foi como ser vampira.
 Como se eu tivesse atrapalhado minha própria vida.
 Vida dela, na realidade.
 Eu a suguei. A extorqui a possibilidade de ela ser vida, não apenas imagem.
 Minha vida estava virada.
 Virou, porque reconheciam a ela, e eu era a estranha.

 Foi difícil entender, mas ela se livrou da atadura de vidro e alumínio.
 Não conseguia entender como que, de relance, me via de maneira virtual.
 Inexplicável.
 Agora eu era a própria imagem.
 Meu cabelo agora era dela, minha família era dela.
 Eu estava aprisionada no espelho.

 Difícil mesmo é que ela se acomodou à ideia de só aparecer quando era refletida.

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