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Mostrando postagens de julho, 2019

metáforas pra dizer Cicatrização

Ainda quando muito pequena, aprendi que a densidade das horas, somada ao tempo e à baixa temperatura, formava no ar uma cortina de neblina passível de ser cortada. Era assim que lá na roça o povo falava, "cortar o ar com a mão". Também veio de lá o "frio de cortar".  Não muito distante, consegui cair e cortar o queixo: ora, queixo por queixo, a reclama vem pelo talho na pele. Cabelo também se corta, mas o meu quem aparava era minha avó que pra mim partir só partia bolo, depois de esfriar para não dar dor de barriga (afinal, cortar caganeira dava trabalho demais). Até o dia em que ela não estava mais ali para saber da lua. As unhas, formadas pela mesma queratina dos cabelos (eu soube mais tarde), mas em condições e por isso com funções diferentes, eu passei a cortar com os dentes. Assim, dentre cortar o rio com uma varinha e atalhar caminhos, atravessando pelo meio do pasto, acabei dividida entre meu pai e minha mãe. Num corte temporal, quando meu pai e eu tomáv

Poema de um não-lugar

O futuro do pobre Brasil é a cova: cova aberta por um pobre do Brasil. Planos econômicos de haraquiri, medidas provisórias de provação divina... todo dia no Brasil um pobre prova a morte de mais um pobre do Brasil. Padece em vida menos de solidão do que de fome, e por isso não vê não ouve não sabe do presidente, que afirmou em coletiva de imprensa: NO BRASIL NÃO SE PASSA FOME, TÁ OK? E se não tem fome, o pobre pode cavar o dobro o triplo o quadruplo de palmas necessárias para, quem sabe um dia, descansar eternamente em berço esplêndido. Não se passa fome no Brasil Não há racismo no Brasil Não houve golpe no Brasil: por estas e outras exclusões, o próprio Brasil deixou de existir. E a fome inexistente num Brasil de mentirinha virou chacina de ninguém ouvir falar. Pobre do pobre no Brasil de mentirinha, Se não tem hora e nem lugar para cair morto: podia tá trabalhando! Se não sabe ler e nem tampouco escrever: podia tá estudando!

metáforas para dizer Tempo

demorou o suficiente para eu notar que a luz da botoeira do elevador se apagava à medida em que ele chegava ao meu andar, e meu lixo se decompunha, apodrecia e mal-cheirava, como a velha que, no dia anterior, contava como Casca de ovo é bom pra tudo, coloco até na comida do meu neto no ponto de ônibus. No apartamento vizinho, ouvia O tempo voa decerto de alguém que também muito viveu. Naqueles vinte minutos em que esperava, estava evidente que o tempo voava na velocidade de uma bicicleta sem rodas, guinchada por um motorista cego. Enquanto ouvia o som do maquinário velho recém-reformado do elevador do prédio antigo, agora me novo, dei-me conta de que as contas que não fiz ainda seriam, como já eram antes de chegar, o desfecho da minha vida a ensinar, como a velha, O tempo não voa porque nem pernas têm! Para saber que até chegar ao aterro sanitário, meu lixo já poderia ter criado novos organismos para ser capaz de bem alimentar como de matar, quem pairava por lá tanto qua