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metáforas pra dizer Cicatrização

Ainda quando muito pequena, aprendi que a densidade das horas, somada ao tempo e à baixa temperatura, formava no ar uma cortina de neblina passível de ser cortada. Era assim que lá na roça o povo falava, "cortar o ar com a mão". Também veio de lá o "frio de cortar". Não muito distante, consegui cair e cortar o queixo: ora, queixo por queixo, a reclama vem pelo talho na pele.
Cabelo também se corta, mas o meu quem aparava era minha avó que pra mim partir só partia bolo, depois de esfriar para não dar dor de barriga (afinal, cortar caganeira dava trabalho demais). Até o dia em que ela não estava mais ali para saber da lua.
As unhas, formadas pela mesma queratina dos cabelos (eu soube mais tarde), mas em condições e por isso com funções diferentes, eu passei a cortar com os dentes.
Assim, dentre cortar o rio com uma varinha e atalhar caminhos, atravessando pelo meio do pasto, acabei dividida entre meu pai e minha mãe.
Num corte temporal, quando meu pai e eu tomávamos chuva na moto, era mais difícil cortar a cidade. Naquele dia, vi que água também cortava. E sentíamos, nas pernas, as gotas afiadas como agulhas.

Ser cortado da empresa aonde trabalhava calhou na separação dele da minha mãe que, para conter despesas, me ensinou a viver sem privilégios, apenas com o que nos era de direito: isso para não nos cortarem a luz.
Fui também desclassificada de alguns vestibulares, mas isso era o que não dava para chamar de "corte".
Agora, nisso eu já era adulta, me livrei dos cortes acidentais com lâmina de barbear por preferir me depilar com cera. Mas só depois de contingenciarem verbas para a educação e negarem haver cortes, é que me lembrei que o coração é o único a ser quebrado, a não ser que haja nele o corte anatômico: sagital ou coronal.
Soube: a dada temperatura, acrescido de horas, até o leite toma densidade o suficiente para ser cortado, mas só o tempo, ele só, é quem cura o queijo.

(Isali - 18/06/19)

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