Percebi que o estalo de meu tornozelo se equivalia à mesma dor que vinha sentindo na mandíbula. Dor pelo cansaço. No caso do maxilar, pelo cansaço da mente. No pé, o do corpo. Dentro das horas, que tendem a se alongar na mediocridade dos dias, o desencontro foi inesperado, bem como a falta de apetite, ainda que venha perdendo peso há pelo menos três meses. E nisso, o inusitado: o moço grisalho dançando no ônibus, que quase me fez sorrir.
Devia ter uns 40 anos, por aí. Proletário, trabalhador uniformizado do pescoço às botas pretas que calçava. Estimo a idade por uns e outros cabelos brancos, inclusive na pouca barba que ostentava, porque sendo daquele jeito, tão pouca, decerto que era orgulho. Jovens demais não são assim, tão cheios de si. Não o digo senhor porque, tendo vinte e poucos anos há mais que eu, não o enxergava de maneira senil, como enxergo ao meu avô, mas de maneira proximal demais como quem observa uma paixãozinha, dessas passageiras, ou como quem vê um amigo quase-irmão. De pé, ali, remexia de jeito engraçado os quadris. De um lado para o outro, batucava no ar com a mão esquerda e, vez e outra, balançava a direita. Se ele notava, não se importava que o olhassem mover os lábios cantarolando alguma música com refrão boom boom pow, ou o iniciozinho de Hey Ya, dum grupo musical que bombou nos clubes em aulas de hidroginástica em 2009. Sabia que não estava ouvindo Césaria Évora, senão dedilharia o ar. Também não era Alceu Valença, seria automático dançar quebrando dois pra esquerda dois pra direita. Certa, também, que não era rock. Ninguém tem esse remelexo ouvindo, sei lá, Pitty. Menos ainda se fosse um i'm going off the rails on a crazy train.
Eu pensava, ele também deve sofrer por amor.
11/01/17 (i.)
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